Entre a vontade de um abraço e os seus braços há dez mil quilômetros. Quatro zeros em fila para dar a noção da ausência. Queria consolar você de qualquer tristeza, animar você de alguma incerteza, mas minhas palavras estão do outro lado do seu mundo. Por mais força que você faça, não creio que chegue até aqui seu sopro nas 24 velas do bolo que comprei na padaria.
Eu queria te contar umas coisas, e esses dez mil quilômetros. Queria agora caminhar do seu lado, à toa, nós dois tomando sorvete e parando para admirar qualquer bobagem, mas esse “do seu lado” tem um buraco de uma fundura que vou contar. Mas o querer que importa é o seu, e isso me deixa feliz.
Sua presença que preenche tudo em volta está a dez mil quilômetros. Entre esse sanhaço no quintal e o corvo que você vê da janela há essa distância e muitas variedades de maçã. Minha vida dividida ao meio está a dez mil quilômetros. O trem que nunca atrasa dista essa lonjura. Meu verão e o seu inverno não se encontram. Quem nos olha do espaço, vê você de pé, eu de cabeça pra baixo e isso invertido a cada 12 horas. Quando é tarde na minha saudade, aí já é noite. E esse mesmo sol (será o mesmo sol?) que aqui faz suar, aí não faz nem cosquinha.
Claro que tem as chamadas de vídeo, as mensagens de texto trocadas, a tecnologia tentando suprir a falta. Mas o sem é tão insistente. Resta o orgulho de te ver navegando solta de qualquer amarra, inventando seu traçado. E esse sorriso indicando que tudo vai bem.
Escrevo na escrivaninha do seu quarto vazio, e essa é a parte difícil.
A língua áspera e estranha que te rodeia. A valsa vagarosa dos flocos de neve. O cachecol que ornou com seus cabelos. A grana contada, difícil de ganhar. A celebração das menores conquistas. A ausência de folhas e a comparência da alegria. O contentamento bobo e imenso de ouvir por perto alguém falar português. O banho não mais de todo dia e o barulhinho gozado de esquilo de desenho animado que a bota faz ao pisar na neve. O nariz escorrendo, os pés dormentes e os olhos faiscando. Sua teima e sua doçura. O tumulto dos sentimentos e a certeza de que você se sairá bem. Tudo a dez mil quilômetros.
As leis da Física se contradizem: a distância faz sua quentura me chegar esfriada, enquanto qualquer dorzinha sua me chega forte. As rasteiras do fuso horário. E meu medo de que alguma pétala se perca pelo caminho.
Chamar você para a janta está a dez mil quilômetros. Você mais linda e feliz do que nunca está a dez mil quilômetros. Sendo mais exato e desanimador: dez mil, duzentos e quarenta e sete quilômetros. E isso, se eu conseguisse traçar um linha reta, o que anda difícil, muito difícil.