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Eu tranquei a porta de casa?

Picture of Cassio Zanatta

Cassio Zanatta

     Claro que sim. Lembro bem: depois de ir à cozinha, tomar um copo d’água, engolir dois comprimidos e me dirigir ao quarto – tudo procurando não fazer barulho, a família já havia se recolhido –, passei pela porta e virei a chave. Tenho certeza.

     Ou não? Fui direto da sala para a cama sem tomar água nenhuma? É possível. Portanto, não passei pela porta e ela está destrancada. Escancarada. Quase um convite para os assaltantes, invasores visigodos e monstros da noite.

     Não, espera. Tranquei sim. Lembro porque, estranhamente, havia luz no hall de entrada. Espiei pelo olho mágico e não havia ninguém. Essas coisas acontecem. São os fantasmas de antigos moradores que vêm visitar sua velha morada, checar se está tudo nos conformes e desaparecem em poucos segundos.

     Ou isso foi ontem? Recapitulemos: depois de ler um pouco no sofá, me levantar e apagar as luzes da sala, fui à janela dar uma última espiada no movimento. Ou não-movimento, já que, àquela hora em plena segunda-feira, não havia ninguém na rua (muito menos um exército de invasores visigodos). Depois de fechar a janela – não há previsão de chuva à noite, mas nunca se sabe –, fui à cozinha, abri a geladeira e tomei um suco de maçã, que dizem ser ótimo para dormir sem peso no estômago. Ainda com o canudinho na boca, passei pela porta e a tranquei, sim. Mas isso foi ontem. E hoje?

     Hoje, me lembro que, logo depois de assistir a um documentário sobre a Segunda Guerra Mundial (coisa que não se deve fazer antes de dormir, porque se a gente pensar bem, não dorme nunca mais), fui ao banheiro. Nada fiz, não estava apertado, o que põe em dúvida aquela história de antes ter ido à cozinha beber água. Devidamente lavadas as mãos, passei uma pomadinha num machucado que me apareceu na ponta do nariz, depois vesti um calção e uma camiseta velha – não uso pijama, sei lá, acho um troço meio arcaico e pesado – e me enfiei na cama. O que remete à outra questão: e os dentes, eu escovei?

     Agora estou aqui, debaixo desse cobertor (faz frio), na dúvida se tranquei a porta de casa ou não. O que custa me levantar, ir até lá e checar, além de uma monstruosa preguiça? Vou passar horas assim, em claro, na dúvida se fechei ou não? Ou vou dormir o sono dos justos, mas irresponsáveis? E o que me garante que, se eu for até lá e resolver o assunto, a dúvida não vai voltar no meio da madrugada? Quem sabe eu reze ao meu anjo da guarda e deixe tudo nas suas mãos, caso eu tenha esquecido a porta aberta? Isso seria transferir responsabilidades? Uma espécie de chantagem espiritual? Me ocorre então uma antiga música do Ronnie Von, lá dos anos 80: “tranquei a vida /nesse apartameeento…”. Essas coisas que ocorrem a almas perturbadas e já bem vividas antes de dormir.

     Dou um pulo da cama e decido ir checar de uma vez. Sou assim, destemido e resoluto. Agora é seguir a passos firmes, acertar a chave na fechadura, girá-la até sentir a tranca fazendo seu trabalho e assunto encerrado.

     O problema é: a chave não está na porta. Deixei-a na gaveta, na mesinha ao lado do livro ou a esqueci no bolso da calça?

     É. Vai ser uma longa noite.

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