– Mestre?
O homem abre somente o olho esquerdo e responde com um lento e discreto aceno de cabeça.
– Diga, Mestre: por que pecamos tanto? Por que não aceitamos o que nos é oferecido, não nos satisfazemos com o que temos, buscamos mais, sempre mais, numa aflição sem propósito nem sossego?
O Mestre volta a fechar o olho, parecendo agora meditar profundamente. Ajeita as vestes pobres de algodão cru. Junta as mãos em silêncio como se fosse começar uma oração.
– Com sua divina sabedoria, nos ilumine: por que suportar as longas estadias da tia em casa, os meninos da rua jogando bola debaixo da minha janela às sete da manhã de domingo, a insistência dos pernilongos, o gato que nem é meu fazendo suas necessidades no meu quintal?
O Mestre pensa, reflete e, três minutos depois, faz com a cabeça um “sim” vagaroso. E sorri. Sorri porque não é no quintal dele que o gato costuma se aliviar.
– De que serve se afligir com futebol? Por que sobra sempre um tanto de mês no fim do salário? Qual o sentido de duas pessoas deixarem de se falar por briga política? Se existe vida após a morte, daria para a minha próxima ser na Toscana? E por que bebemos desse jeito, e continuamos a beber, até acabar a bebida, quando então um de nós sai para comprar mais?
O Mestre olha para o alto, talvez em reflexão, talvez para conferir se sua conclusão bate com a dos deuses.
– Diga, ó Guru, qual o sentido da existência dos furúnculos? Por que os idiotas são em maior número? Os conceitos da Física estão corretos, ou fomos longe demais em desprezar a resistência do ar? Qual a razão de um feriado cair numa quarta-feira, no meio da semana, sem possibilidade de emendar com o fim de semana? Sério que um dia eu vou morrer, você vai morrer, o prefeito, a morena do Tchan, até o Elvis vai morrer? E por que ela agora se recusa a responder minhas mensagens e ligações?
O Mestre aperta os olhos, se compadecendo diante do desespero humano.
– O que explica que, em um congestionamento, mudamos para uma faixa que parece andar mais, e, assim que trocamos, ela empaca e a que estávamos antes deslancha? Por que as impressoras travam com tanta frequência? Como pode a gasolina aumentar desse jeito, se a cotação do barril de petróleo brent está em queda? O que explica o fato de que as comidas mais saborosas são as que mais fazem mal? Por que ninguém se dá conta de que a rainha má, com seus olhos malicioso que parecem os de Greta Garbo, é muito mais bonita e interessante do que a Branca de Neve, que fica lá falando com os bichos, batendo palminha e se fazendo de inocente?
O Mestre desfaz a pose das mãos postas em oração, num gesto impaciente, levanta-se num impulso, ergue os braços para o alto e enfim responde:
– Não ouse falar mal da Branca de Neve! NÃO OUSE FALAR MAL DA BRANCA DE NEVE!
E sai pisando firme, praguejando e chutando pedras pelo caminho, fulo da vida.