Artigo apresentado em 28/11/2024 no 1º Seminário Internacional das Cidades Amigas da Pessoas Idosas
Por Rodrigo Casagrande, Psicanalista
Viver é se articular com o tempo e falar de longevidade é falar sobre o tempo aplicado a vida humana.
Acredito que todos que aqui estão, movidos pelo desejo, trazem a consciência de que muito mais do que poder viver mais é o de ter uma vida bem vivida, conceito estoico muito bem apropriado para este momento.
Vou discorrer sobre o tema norteador deste seminário sobre a luz da Psicanálise, apoiado nos conceitos de Tempo, Sujeito e Sociedade e sobre recortes do que lhe atravessam em aspectos socioculturais e sua herança psíquica, um sujeito como ser social.
A psicanálise se estrutura pela Ética do bem dizer. Sendo então ética um conceito relacionado ao campo social, a psicanálise tem sim muito a contribuir com este debate. A aposta é que políticas públicas possam dar a este sujeito também um espaço para um Bem Viver.
Há um acordo feito e posto: esticar a corda o máximo possível. É possível viver mais para assim realizar projetos, experiências, riqueza, uma infinidade de possibilidades. Ou simplesmente pelo fato de que, aceitar a emoção de enfrentar a finitude, é uma dor psíquica e algo que o ser humano, em tempos modernos e urbanos, não desenvolveu, reflexo do estímulo ao ego, que tem como projeção a jovialidade, a materialidade e a eternidade. Presente da colonização mitológica no inconsciente coletivo. O tempo de vida de uma pessoa, deve ser o tempo suficiente, não meta a ser alcançada, mas como experiências a serem vividas.
Não ser eterno é a dor egóica que motiva o homem na construção da longevidade. A morte é o acerto de contas da natureza com o homem, o colocando em pé de igualdade com tudo o que é vivo. Como ser competitivo e com recursos emocionais limitados para lidar com perdas, enfrentar a finitude pode ser uma das mais complexas ações humanas. E neste ponto a espécie humana é talvez a que mais obteve êxito no projeto de aumento de expectativa de vida.
A longevidade é a forma que o sujeito encontrou de driblar a finitude. É na escassez que é possível criar algo, e por mais que se viva muito, comparado ao tempo do universo, a vida humana sempre será breve, e dessa forma, sempre haverá maneiras de se viver mais, a reprodução é um dos mecanismos mais sofisticados para isso, seja a reprodução humana e junto a ela, o do saber. Então, quanto mais o homem vive, mais saber ele transfere. E quanto mais mal-estar, mais criação. E neste ponto, o ser humano, em conjunto, vem se perpetuando.
Estamos vivendo mais, todos, independentemente da raça, região, classe social, e isso não descarta as desigualdades que ainda são impostas pelos marcadores sociais. Há algo que não muda, para que alguém viva mais, algo vai viver menos. E o que distingue um grupo do outro, é o acesso a recursos que podem prover uma vida mais ou menos longa.
O paradoxo é que a aposta na ciência e tecnologia para se viver mais, recai no esgotamento de recursos da natureza. O homem sempre apostou na ciência para resolver seus problemas, mas quando se trata de recursos naturais, esse com conceito fracassou. O desejo de viver mais, encontra a escassez de recursos para tal, sustentabilidade é apenas uma narrativa adotada para abrandar o impacto do homem no mundo, que é irreversível.
Do saber popular uma das frases mais comuns é “a única certeza é a morte” dita muitas vezes quase que com ar de esperança de quem a diz, traz o consigo conceito do tempo e pulsão de morte, termo cunhado por Freud.
Porém a única certeza da vida, é que haverá vida, doa a quem doer, e muitas vezes vai doer.
E para a espécie humana, só há vida e manutenção da mesma, através do outro, o bebê depende sua existência a um adulto, quando adulto, recorre ao idoso para a transferência do saber. Nós, somos feitos de nós.
A cultura ao individualismo e ao ego, a psicologia positiva, destroem a estrutura básica de uma sociedade, a sociabilidade o senso de comunidade e a coletividade.
Nasci em 1985, ano em que o Brasil encerrava um período crítico de sua história, o regime militar. O patriotismo, agora sendo construído de forma democrática, era uma base narrativa para a construção de uma nova identidade de um país, que se abria ao mundo e a inovação.
Pensar esperançosamente no futuro, em seus diversos campos, sem as garras da censura, era possível necessário e agora urgente. Eu e minha geração nos tornamos muito rápidos “o futuro da nação”. Mantra repetido em qualquer lugar onde houvesse um adulto dirigindo-se a crianças e adolescentes.
Em 1985 estima-se que brasileiros com 60 anos ou mais, representavam 6,8% da população, algo em torno de 7,5 milhões de pessoas. Hoje, 40 anos depois, são quase 39 milhões, sendo 18% da população.
Muitos desses que hoje estão com 60+ eram o que desejavam que as crianças de 1985 fossem o futuro. A notícia ou a surpresa é que esses jovens de 85 estão ativos, lutaram e permitiram que pudéssemos ter o livre exercício das atividades, incluindo essa. Minha geração não caminhou como se planejou. E o futuro da nação agora é formado também por aqueles jovens, que em 85 apostaram em mim. O futuro da nação é também 60+.
O homo sapiens é ser tribal, hierárquico e colonizador. Características que permitiram torna-se um animal de importante relevância no ecossistema do planeta, sendo talvez o único que consegue interferir em alguns aspectos de seu funcionamento capaz de criar mais tecnologias para destruição do que para reconstrução.
Essas características são exploradas de maneira perversa pela religião, pela política, que por sua vez, através de leis, organizam os territórios através do campo da moral, e por último pelo sistema de capital, um grande beneficiado de todo essa organização social contemporânea.
Ainda no campo da Política, na Câmara dos Deputados, que conta com 513 membros, aproximadamente 55% têm mais de 50 anos. Já no Senado Federal, estima-se que aproximadamente 70% estejam acima de 50 anos. A ausência de pautas e politicas publicas para idosos não parece ser por falta de representatividade.
Freud desenvolver o conceito do Ego, o EU, instância psíquica onde o sujeito se localiza descolado da natureza, e, portanto, superior a ela, tornando-se singular, junto a ele o Narcisismo, o ego em sua forma sintomática, dando a este sujeito o desejo da eternidade, ou pela beleza de viver, ou pelo medo de morrer. O poder, o dinheiro, a juventude e a santidade, se tornaram bons lugares para se alcançar esse êxito. Para além do fim, agora há o céu, vidas futuras, passadas. O homem é eterno, pelos menos no campo imaginário.
Pensar e criar o futuro sempre foi uma habilidade do ser humano, vivendo em ambientes inóspitos e de escassez, onde a existência se tornava comprometida. Seja nos perigos da savana africana a 300 mil anos ou em países em guerra, ou no aumento da temperatura do planeta, o desejo de viver, a preservação da vida é imperativa. E isso se tornou uma questão ética.
Questões éticas que vivemos em sociedade, são questões antes estéticas. E a estética, pode ser experiênciada pela relação do sujeito com a natureza e pela arte. Neste lugar é possível apreciar o que o belo. Belo é tudo aquilo que de tão atravessador, sinta-se desejo de mostrar para o outro. O conceito de estética migrou-se para o corpo, sendo ético aquilo que é estético, usando como referência os deuses do Olimpo, belos, jovem, brancos e fortes. Uma reprodução da vida instagramável. Esse é padrão do que é ético e bom. Tudo o que for fora disso, é ruim e feio e logo, imoral. A mídia se apropriou dessa semiótica, em anúncios, filmes, desfiles,;
Jacques Lacan, Psicanalista Francês, nos traz a teoria dos registros relacionado a psique humana > Real, simbólico e imaginário, que não se separam, como um nó.
Envelhecer é da ordem do real,simbolizado por um corpo físico que se transforma e carregado pelo imaginário relacionado aos pais, avós, e suas experiências acerca do processo do envelhecimento e os registros em seu inconsciente.
O registro, marca o tempo do homem. Seja por ser encontrado em pinturas ruprestres, pelo processo de mumificação, pela arte, seminários como esses. Nos eternizamos. Ser apagado da história, nunca pareceu ser um bom negócio para um sujeito egóico e narcisista.
Os registros servem para que gerações posteriores possam recontar a história de um povo e da humanidade e a partir daí, seguir com a evolução humana. Estee tem sido o trabalho humano, observar, refletir, criar, sistematizar, melhorar e evoluir.
O trabalho é o grande mecanismo de evolução humana, que relação direta com a expectativa de vida. Escravos viviam 30 anos no máximo, enquanto os donos de fazendas chegavam ao 60+
No Brasil são 100 milhões de trabalhadores vendem sua força de trabalho para viver, contribuindo com a previdência para que estando em idade de se aposentar, 65 anos, possam experiênciar o direito de envelhecer bem. Na prática, muitas vezes um corpo atravessado por doenças, recursos financeiros escassos, ser retirado dos laços afetivos do trabalho, e inabilidade familiar, faz com que este sujeito se angustie e adoeça mais.
Segundo o Instituto Cidades Sustentáveis, em pesquisa realizada em 2022, no bairro de Cidade Tiradentes, localizado no extremo da Zona Leste da cidade de São Paulo, um morador vive em média 59,4 anos. A 37 km dalí, dentro da mesma cidade, um morador dos Jardins vive em média 80 anos.
A aposentadoria aos 65 é uma oportunidade que o morador do bairro Cidade Tiradentes não irá jamais alcançar.
O sujeito e o incosciente não envelhecem e o tempo para psicanálise é o tempo lógico, mas sim, o sujeito adoece, primeiro psiquicamente e posteriormente sintomaticamente. A doença é uma linguagem do inconsciente sobre o corpo. Esse adoecer o leva a perda de sua autonomia e suas capacidades. Envelhecer não é sinônimo de doenças, mas doenças são também sintonas de um sujeito ao qual não for permitido ter sua singularidade observada e desenvolvida. A doença é a desarmonia de um corpo que está também em desarmonia com o mundo.
Lacan, vai nos dizer que o inconsciente é estruturado como uma linguagem, e sendo uma linguagem ele é o discurso do outro. Velho é outro. E discurso aqui não apenas o que dito, mas sim o que é visto, escutado, sentido, contado, ou seja, uma narrativa, histórias. O que se diz e se vê sobre a velhice? Isso tem a ver com a experiência e vivência de do sujeito com os idosos do seu território.
Mas como a narrativa e a linguagem sobre o tempo nos foi constituída?
O que é um tempo bom, um tempo ruim?
A pergunta, como está tempo? Tão comum em nosso dia a dia traz a raiz do pensamento mitológico acerca da compreensão humana em relação ao tempo surge na mitologia grega, 11 mil antes de Cristo.
Os gregos têm duas palavras para falar sobre o tempo, Cronos, o tempo cronológico, absoluto: o tempo dos homens, e Kairós, o tempo do sentido, tempo dos Deuses.
Olhamos para o céu e perguntamos, como está o tempo?
E foi observando este espaço que a longo de milhares de anos o homem identificou alguns padrões, as repetições: Tempo de nascer, crescer e morrer, entendeu que, de tempos em tempos, as mesmas coisas aconteciam. Criou narrativas, deuses, mitos, ciência, projeção e estatísticas.
Aos que passaram dos 50 anos, os eventos repetidos, são mais perceptíveis, ganhamos maturidade e damos o nome a esse fenômeno da repetição, de intuição. Ficamos ansiosos antes mesmo, porque sabemos, por experiência o que poderá acontecer.
Foi olhando para o céu que o homem moderno criou o sistema de medição de tempo que conhecemos. Ao interesse da religião, o calendário Gregoriano. Temos agora uma forma gráfica de ver o tempo passar. Uma inovação. O relógio, de ponteiro, assim como conhecemos, também surge ali por volta do século XIV. Muda-se simbolicamente a forma de perceber tempo. Saber a hora certa, agora é um produto. Compre.
Hoje, o olhar para o céu hoje, ainda busca saber de onde viemos, mas também busca novos lugares, para onde iremos, seguimos na colonização.
Evidenciar a importância do território, a cidade, e seus símbolos, para a que o sujeito possa ser singular, se inventar a sua própria subjetividade, foi meu objetivo neste artigo, e importante reforçar, não há outro caminho para a constituição do sujeito sem a possibilidade da manutenção de um estado livre.