O perspicaz leitor – ou leitora, que costuma até ser mais perspicaz – já deve ter reparado que, quanto maior e mais longa uma manchete de jornal, menos bombástica ela é. Se o título na página ou na tela tem duas ou mais linhas, pode ter certeza de que não se trata de notícia extraordinária, de parar as máquinas ou de compartilhar no grupo de amigos do Whatsapp.
Ninguém escreveria um título como “Em desfile em carro aberto pelas ruas de Dallas, o Presidente John Kennedy é assassinado com um tiro na cabeça”, mas sim: “Kennedy assassinado”. E em letras garrafais (sempre me intrigou esse termo, logo penso que a notícia é tão grave que as palavras entendem que só tomando uma). Quando Jesus voltar ao mundo dos homens, a manchete será: “Jesus voltou”, e não: “Numa segunda tentativa, Jesus, o Filho de Deus, retorna à Terra para ver se agora vai.”
Pois semana passada, me deparei com uma dessas manchetes longas, nada urgentes. De certa maneira, é um alívio: quer dizer que a Terceira Guerra não começou, que o sertão não virou mar, o mundo não se acabou. A manchete em questão – tão longa que vou dividi-la em duas partes – dizia: “Cientistas estudam voo de beija-flor…”
Pausa. Fiquei animado. Com tanta coisa ruim acontecendo no mundo, vírus ameaçadores e guerras químicas, um punhado de cientistas se detém no voo de um simpático beija-flor. Imagino-os por um instante saindo abraçados do laboratório para ir à varanda observar o voo do bichinho, talvez sentados em cadeiras de balanço, proseando enquanto bebem um refresco de maracujá.
Mas quem não tem refresco é a gente. Pois ao ler a continuação da manchete, lá estava: “…para projetar robôs para guerra de drones.”
É de desanimar qualquer um. Cientistas estudam voo de beija-flor para projetar robôs para guerra de drones. Tadinho do inocente, nem imagina que está sendo espionado para proporcionar armas mais eficazes. Para, com a incrível velocidade de suas asas, que afirmam os tais cientistas, chegam a 50 batidas por segundo, possibilitar reações rápidas, instantâneas, ideais para as batalhas.
Diz o texto da notícia: “Esses pequenos pássaros são acrobatas aéreos incomparáveis, avançando instantaneamente para frente e para trás, mergulhando rapidamente e planando de volta para cima, inclinando, rolando e até voando de cabeça para baixo. Suas sofisticadas habilidades de voo chamam a atenção dos projetistas de robôs, sobretudo daqueles que estudam o uso de drones na guerra moderna.
Para ser justo, uma coisa eu já tinha reparado: de paz é que o beija-flor não é. Eta bicho briguento. Quem já pendurou do lado de fora da casa um desses bebedouros com umas florzinhas de plástico, na melhor intenção de vê-los chegar e sugar a água com açúcar, já constatou: sempre tem um grandão que assume o território e não deixa nenhum outro chegar – se o fizer, vai levar um carreirão pra deixar de ser atrevido. Dá pena de ver os menores sem chance de beber a aguinha. O mundo é cruel, como demonstram os pegas na natureza e as lutas entre os homens.
Cientistas estudam voo de beija-flor para projetar robôs para guerra de drones. Gente do céu. Por essas e outras é que acho que jamais leremos a manchete “Jesus voltou”. Ele que não vai querer se meter nesse vespeiro de novo. “Eu, hein?”, diria a algum anjo. E com toda razão.