Cerca de 13 milhões de brasileiros têm alguma das doenças classificáveis como raras – que em geral são crônicas, progressivas e afetam a qualidade e reduzem a expectativa de vida dos pacientes. Há mais de 6 mil catalogadas e, entre essas, estão, por exemplo, a amiloidose cardíaca e a doença de Fabry. E, para todas elas, o diagnóstico precoce e o tratamento personalizado são o que podem fazer a diferença, diz o diretor do Grupo de Miocardiopatias do InCor (Instituto do Coração do HCFMUSP), Dr. Fabio Fernandes.
Cardiopatias raras muitas vezes se confundem com condições cardíacas já conhecidas, o que pode dificultar e atrasar ainda mais o diagnóstico, alerta Fernandes. “O diagnóstico não é simples, e depende de um alto grau de suspeita clínica. Avançamos muito nessa área. Por exemplo, para amiloidose cardíaca se fazia o diagnóstico apenas com biópsia, que é uma forma invasiva. Mas hoje já é detectada por ecocardiograma ou ressonância”.
Na amiloidose, o acúmulo de proteínas em órgãos e tecidos afeta o sistema cardiovascular, leva a sintomas como fadiga, perda de peso, sensação de estômago cheio, formigamento, dormência nas pernas, falta de ar, ritmo cardíaco irregular e aumenta as chances de casos de insuficiência cardíaca.
Já a doença de Fabry (DF) é uma falha genética que causa deficiência parcial ou total da enzima alfa-galactosidase (importante para o metabolismo). Essa deficiência leva ao depósito e acúmulo de substâncias (chamadas “glicoesfingolipídeos”) em órgãos como rins, olhos, pele e coração, causando danos – inclusive neurológicos.
“Para o diagnóstico, enxergamos aquilo em que acreditamos. Então, se não acreditarmos que possa ser um caso de doença rara, mesmo com o paciente na nossa frente, de nada adianta”, ressalta o médico. “É preciso estar atento no dia a dia para essa possibilidade”.
De acordo com especialistas do InCor e do Hospital das Clínicas da USP que mapearam a jornada de pacientes com amiloidose cardíaca, o tempo médio entre o início dos sintomas e o diagnóstico foi de 2 anos nos pacientes com condição hereditária. Destes, antes do diagnóstico correto, quase 70% já haviam consultado dois ou três especialistas.
“Nesse estudo foi possível ver que diagnosticar e tratar a amiloidose, ou condições raras em geral, são um desafio no Brasil”, destaca Fernandes. A demora no diagnóstico compromete o tratamento. “É preciso melhorar este cenário.”
Rastreamento
No caso de pessoas com diagnóstico positivo, é comum a realização de rastreamento genético dentro da família (cerca de 80% das doenças raras são de origem genética, e são hereditárias). Esse rastreamento adianta o tratamento e melhora o prognóstico do paciente. O rastreio é feito pelo Laboratório de Genética e Cardiologia Molecular e diminui o tempo entre o diagnóstico e o início do tratamento. “Esse é o objetivo da medicina personalizada”, afirma Fernandes.
O InCor é um dos centros de referência nacionais em amiloidose e doenças raras cardiológicas, com três estudos multicêntricos e internacionais em amiloidose atualmente em curso. Esses estudos buscam tratamentos que atenuem a progressão. Cerca de 300 pacientes diagnosticados são acompanhados por especialistas no instituto.