Hoje vou falar sobre o cometa Halley. Conto de cara para que o leitor que não se interessa pelo assunto (algo para mim incompreensível) não perca seu tempo e possa fazer outra coisa: catar coquinho, por exemplo.
Como eu começava a dizer, antes que o desinteresse de certas pessoas me interrompesse, o Halley é o mais célebre dos cometas, o maior e mais brilhante. É um ser caprichoso: só de 76 em 76 anos resolve nos visitar. Deve nos achar meio complicadinhos, chegados numa desavença, em rebeliões e bombas, melhor guardar distância segura (no que faz bem).
A penúltima vez que ele passou próximo à Terra foi em 1910. Meu nonno foi testemunha, e dava gosto ouvi-lo contar como foi: uma cauda enorme a tomar metade do céu, iluminando a noite e encantando meio mundo, enquanto o outro meio se desesperava, pensando se tratar do sinal do apocalipse.
Pois o mundo não acabou, como somos testemunhas, e meu pai herdou o encantamento do seu. Era apaixonado pelo céu, nos ensinava o nome das estrelas e constelações, e passou a vida falando no Halley, contando quanto tempo faltava para chegar 1986, quando o cometa voltaria a dar as caras por aqui. Eu fazia as contas: iria ter 25 anos – nossa, como estava longe…
Enfim, 1986 chegou, pleno de expectativas. E veio o fiasco supremo: o cometa confirmou sua fama de caprichoso, escondeu a cauda, apareceu como uma nuvenzinha mixuruca e foi só. Nem meu pai, nem o telescópio mais potente já construído puderam admirá-lo como esperavam (e como tinham esperado).
A melhor lembrança que guardo do Halley é a de ter ido com os amigos a São José para ver o cometa, e numa noite fria de inverno (quando o céu é mais limpo e estrelado), nos deitarmos no asfalto da estrada ainda quentinho do sol do dia para observar o fenômeno. Não vimos patavina, mas contamos histórias, falamos da vida, dos primeiros amores, aquela coisa boa de ter amigos.
Faço as contas e vejo que a próxima aparição do Halley será em 2062. Ando meio em dúvida se estarei aqui para vê-lo: terei 101 anos. Talvez faça parte de uma das poucas gerações que passaram por aqui sem admirar o bichão.
Pois aí está uma boa razão para viver. Vou chegar lá, como não? A partir de hoje (vai: amanhã, pra que tanta pressa?), prometo me cuidar: encarar a vida com leveza, tomar mais juízo e menos destilados, evitar as divididas, maneirar no torresmo, fazer uma hora de ginástica por dia. Conhecerei meus netos e bisnetos. Quando chegar aos 110, darei entrevista na rádio e para o Fantástico.
Só não tentem me iludir com a vinda de outros cometas mequetrefes. Não me apareçam com previsões catastróficas. Nem me falem em dietas que garantam uma vida longa. Sábado que vem, por exemplo, marcamos um churrasco, eu e meus amigos (os mesmos que se deitaram no asfalto). Quem tocar no assunto “carne faz mal” leva um croque.
Quem sabe, nos seus caprichos, o Halley não resolva modificar sua órbita, tomar um atalho e chegar, digamos, em 2037? Como estivesse se desculpando pelo papelão da última vez? Se isso acontecer, ah, meus caros, garanto: no que ele se esparramar no céu, vou me sentar num boteco, pedir uma caipirinha, uma porção de torresmo e dizer aos companheiros de bar:
– Vocês chamam essa coisica aí de cometa? Humpf. É porque não o viram em 1986!